sábado, novembro 23, 2024

Uso de tablet na infância pode alimentar ciclo de raiva e frustração, aponta estudo

(FOLHAPRESS) – O uso de tablets por crianças pequenas pode provocar um ciclo vicioso de raiva e frustração, segundo os resultados de uma nova pesquisa canadense, publicada no periódico especializado JAMA Pediatrics.

Para chegar a essa conclusão, os cientistas realizaram uma sequência de entrevistas com pais de 315 crianças entre 2020 e 2022, quando elas estavam em idade pré-escolar, durante a pandemia da Covid. Foram três momentos: quando as crianças tinham 3 anos e meio, 4 anos e meio e 5 anos e meio.

O contexto da Covid também pode ter sua parcela de contribuição nos resultados. Por isso, os pesquisadores agora estão coletando dados para tentar replicar os achados no pós-pandemia.

Em média, crianças com 3 anos e meio eram expostas a 6,5 horas de tablet por semana; aos 4 anos e meio, a 6,7 horas semanais; aos 5 anos e meio, a 7 horas semanais. A escala de raiva, produzida a partir das respostas a perguntas como se “a criança fica com raiva quando ela tem que ir para a cama”, variava de 0 a 7 e foi respectivamente de 4,3, 4,3 e 4,1 nos períodos analisados.

Uma análise estatística, capaz de separar o peso do fator individual dos fatores de interesse (uso de tablet e episódios de raiva), mostrou que o uso de tablet aos 3 anos e meio estava ligado a mais manifestações de raiva aos 4 anos e meio. Também evidenciou que mais episódios de raiva aos 4 anos e meio se relacionavam a um maior uso de tablets aos 5,5 anos.

De acordo com os pesquisadores, os resultados apontam que o uso dos aparelhos no começo da vida contribui para um ciclo deletério para a regulação emocional.

“Nossa capacidade de regular efetivamente nossas emoções se desenvolve na primeira infância e estabelece as bases para o desempenho escolar futuro, da capacidade de interagir competentemente com colegas e professores e do desenvolvimento da personalidade. Por essa razão, é muito importante que as crianças tenham a oportunidade de desenvolver fortes habilidades de regulação emocional durante os anos pré-escolares”, conta à Folha Caroline Fitzpatrick, professora da Universidade de Sherbrooke (Canadá) e principal autora do estudo.

A alta prevalência no uso do tablet, diz a pesquisadora, foi um dos motivadores para a realização do estudo. Daí a ideia de reunir uma amostra de conveniência. As famílias foram recrutadas a partir de anúncios em rádio e cartazes, na província de Nova Escócia, no Canadá.

Segundo ela, é provável que os mesmos achados valham para o uso de smartphones, já que eles também podem ser conectados à internet, além de facilmente transportados para restaurantes e usados em viagens. Um aspecto relevante é, uma vez online, a possibilidade de consumo ilimitado de conteúdos adaptados às preferências dos usuários.

“Os pais devem ter cuidado para não usar as telas como ‘chupeta digital’ ou como uma ferramenta para acalmar as crianças quando elas estão experimentando emoções fortes. E como são modelos para as crianças, os pais devem estar conscientes do próprio uso de telas, especialmente na presença dos filhos”, afirma Fitzpatrick.

Os pais devem ter cuidado para não usar as telas como ‘chupeta digital’ ou como uma ferramenta para acalmar as crianças quando elas estão experimentando emoções fortes. E como são modelos para as crianças, os pais devem estar conscientes do próprio uso de telas, especialmente na presença dos filhos professora da Universidade de Sherbrooke (Canadá) e principal autora do estudo.

Para a cientista, é preciso evitar completamente a exposição às telas antes dos dois anos (assim como recomenda a Organização Mundial da Saúde) e monitorar de perto o uso por crianças, especialmente entre 2 e 5 anos, em idade pré-escolar. E o manuseio não deve ser livre. É importante ter um plano sobre a intensidade de uso (menos é mais) e o que cada membro da família pode fazer ou ao que pode assistir nos aparelhos.

Mesmo com uma característica menos personalizada e interativa (o que tem mudado nos últimos anos) a exposição a TVs traz prejuízo. Em pesquisas anteriores, Fitzpatrick e colaboradores mediram o tempo de visualização de TV em crianças entre 2 anos e meio e 4 anos e meio e observaram que, aos 10 anos, a exposição estava associada a um desempenho acadêmico pior, menor envolvimento em atividades físicas e sociais, menor força muscular, maior índice de massa corporal, e mais comportamentos agressivos.

“Para ajudar a melhorar as habilidades de regulação emocional, os pais podem garantir que as crianças tenham muitas oportunidades de se envolver em brincadeiras imaginativas, narração de histórias compartilhadas e jogos sociais com outras crianças”, diz Fitzpatrick.

Uma possível regra é proibir o uso de telas antes de dormir ou durante refeições. Outra é pedir para que as próprias crianças desliguem os dispositivos após terminarem suas atividades. É ainda viável definir configurações que ajudem os pais no gerenciamento, como impedir a reprodução automática no YouTube.

É capaz que a qualidade dos conteúdos, como ebooks versus vídeos, e o contexto, como com ou sem o acompanhamento de responsáveis, tenham impacto relevante sobre a desregulação emocional. Essa é uma ideia dos pesquisadores para pesquisas futuras sobre o tema.

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