Especialista alerta para urgência do saneamento na crise climática

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Cerca de 3,4 bilhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a saneamento básico, segundo relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU). Além dos impactos no meio ambiente e na saúde humana, o problema agrava a emergência climática.

Em entrevista à Agência Brasil, o consultor de Água e Clima na Sanitation and Water for All (SWA), Jose Gesti, explica que enchentes, secas prolongadas, insegurança alimentar e deslocamentos forçados são sintomas da intensificação da crise hídrica e de saneamento.

Segundo ele, sem serviços resilientes de água e saneamento, os países não conseguem se adaptar à emergência climática. Cada evento ganha dimensões ainda mais extremas onde a infraestrutura urbana é falha.

Belém - 21/11/2025 - Consultor de Água e Clima na Sanitation and Water for All (SWA), Jose Gesti. Foto:  Divulgação SWA
Consultor de Água e Clima na Sanitation and Water for All (SWA), Jose Gesti – Foto: Divulgação/SWA

Gesti participou de eventos promovidos pela SWA na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém. A SWA é uma associação internacional ligada ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que reúne governos e sociedade civil.

A situação do saneamento básico em Belém é um exemplo de conexão entre a situação local e global do problema. A sede da COP30 está entre os dez piores municípios do país no ranking de saneamento produzido pelo Instituto Trata Brasil. Em 2025, apenas 27,51% da cidade tinha atendimento de esgoto.

Nesse sentido, o especialista defende que políticas e financiamento públicos e privados priorizem comunidades historicamente excluídas, com mais transparência e participação social.

Agência Brasil: Quais os principais desafios hoje para avançar com a agenda de saneamento básico?

Jose Gesti: Um dos desafios mais urgentes é a distância entre compromissos políticos e progresso real. Com apenas cinco anos restantes para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ainda estamos longe do acesso universal.

Um relatório recente da ONU mostra que 2,1 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável segura, e 3,4 bilhões carecem de saneamento seguro, incluindo 354 milhões de pessoas que ainda praticam a defecação a céu aberto.

Esses não são números abstratos – representam crianças bebendo água de rios contaminados, famílias presas em ciclos de doenças evitáveis e comunidades incapazes de romper com a pobreza.

Agência Brasil: Como podemos conectar o tema com o da emergência climática?

Gesti: Enfrentamos impactos climáticos que estão se intensificando rapidamente. Enchentes, secas prolongadas, insegurança alimentar e deslocamentos forçados são todos sintomas do agravamento da insegurança hídrica.

Sem serviços resilientes de água e saneamento, os países não conseguem se adaptar de forma eficaz à emergência climática. Cada evento climático extremo torna-se mais devastador onde a infraestrutura falha.

É por isso que, na Reunião de Ministros de Setor de 2025 em Madri, defendemos o fim de abordagens fragmentadas e isoladas. Integrar água, saneamento, saúde, meio ambiente e finanças é essencial para fortalecer a resiliência e melhorar a eficiência.

Evidências mostram que cada dólar investido em água e saneamento gera múltiplos retornos, melhorando a saúde pública, a produtividade econômica e a estabilidade climática. Água e saneamento, portanto, não são temas periféricos – são centrais para a ação climática.

Belém (PA), 21/11/2025 - Esgoto a céu aberto na cidade de Belém. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Esgoto a céu aberto na cidade de Belém – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Agência Brasil: Considerando que Belém enfrenta desafios históricos nessa área, que você pode ter observado durante sua estadia, em que medida a COP30 representa uma oportunidade para destacar esses temas e conectar a realidade local com os debates globais?

Jose Gesti: O abastecimento de água e o saneamento básico são fundamentais para a dignidade humana, oportunidades econômicas e resiliência climática. A COP30 oferece uma plataforma-chave para elevar essa agenda ao mais alto nível político, especialmente à medida que a presidência tem enfatizado adaptação, equidade e entrega real de resultados.

Os debates mostram que a comunidade global reconhece cada vez mais que, sem sistemas fortes de água e saneamento, os países não estão preparados para as pressões climáticas já em curso. Colocar água e saneamento no centro das negociações climáticas cria espaço para transformar desafios locais em prioridades globais, atrair financiamento, mobilizar iniciativas políticas e acelerar implementações práticas.

A COP30 também é uma oportunidade para dar visibilidade às perspectivas das comunidades e demonstrar soluções integradas – como projetos urbanos permeáveis, redes de esgoto resilientes e proteção de bacias hidrográficas – que reduzem impactos de desastres e fortalecem a resiliência social. Isso permite que vozes locais influenciem decisões globais, deslocando o debate de promessas para resultados mensuráveis.

Agência Brasil: Você concorda que existe uma relação direta entre o acesso desigual à água e ao saneamento e o que especialistas denominam racismo ambiental?

Jose Gesti: Ao redor do mundo, as comunidades mais afetadas pela falta de serviços adequados de água e saneamento são, de forma desproporcional, populações marginalizadas. Elas têm maior probabilidade de viver em áreas com infraestrutura limitada, maior exposição à contaminação e enchentes recorrentes, e menos recursos para recuperação. Esses padrões são resultado de décadas de investimento público desigual – não coincidência.

Quando o acesso à água potável depende de raça, geografia ou renda, não estamos discutindo apenas lacunas de infraestrutura – estamos falando de injustiça estrutural e violações de direitos humanos básicos. Essa é a expressão prática do racismo ambiental.

Para superá-lo, políticas e mecanismos de financiamento precisam priorizar explicitamente comunidades historicamente deixadas de lado, garantir transparência e responsabilização, e fortalecer o protagonismo da sociedade civil na tomada de decisões.

A equidade deve ser a base da prestação de serviços públicos – porque saneamento resiliente e inclusivo é essencial para sociedades saudáveis, seguras e prósperas.Agência Brasil