sábado, novembro 23, 2024

Como cientistas sabem se um desastre foi ou não causado pelas mudanças climáticas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Acre, Amazonas, Maranhão, Pará, São Paulo. Nas últimas semanas, fortes chuvas levaram a dezenas de mortes e fizeram com que milhares de famílias ficassem desabrigadas em vários lugares do país.

Quando esse tipo de desastre acontece, uma pergunta recorrente é: isso é culpa da mudança do clima? A resposta nem sempre é simples, mas pode ser encontrada por meio da atribuição climática, ciência que busca determinar a influência do aquecimento global em eventos climáticos extremos.

Uma das pioneiras nesse campo de estudo relativamente novo é a climatologista alemã Friederike Otto, do Imperial College London, que lidera o centro de pesquisa World Weather Attribution (WWA). Por meio de parcerias com cientistas do mundo todo, a iniciativa se dedica a fazer estudos rápidos de atribuição e avaliar o papel das mudanças climáticas logo após o evento extremo.

“O primeiro passo é saber se o evento que aconteceu foi extremo”, explica Lincoln Alves, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que trabalhou com o WWA no estudo sobre as chuvas que atingiram Pernambuco em maio de 2022. Para isso, é preciso olhar o registro histórico da região e ver se algo daquela magnitude já aconteceu antes -e, se aconteceu, quão raro é.

“No caso das chuvas que atingiram São Sebastião [no litoral norte de SP] em fevereiro, por exemplo, olhando os registros desde 1960 é possível ver que nunca choveu 600 mm em tão pouco tempo. Então é um evento extremo raro”, diz.

Em seguida, o grupo de pesquisadores usa um método revisado por pares para comparar dois cenários: um do mundo real, em que a humanidade já deixou o planeta 1,2°C mais quente, e um simulado, em que essa influência não existe.

Eventos extremos fazem parte da variabilidade climática natural e sempre têm várias causas. Mas é possível montar esses modelos porque se sabe a quantidade exata de gases de efeito estufa que foram jogados na atmosfera pelas atividades humanas (principalmente, pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento) desde a Revolução Industrial.

Assim, basta criar um cenário com e outro sem essa variável e verificar a frequência e a intensidade com que aquele evento extremo ocorre em cada um deles. Como a única diferença entre os dois é o aumento da temperatura, pode-se apontar o tamanho da culpa das mudanças climáticas em cada caso.
No caso das chuvas que atingiram o nordeste brasileiro no ano passado, em menos de 24 horas, entre 27 e 28 de maio, Pernambuco recebeu mais de 70% das chuvas esperadas para todo o mês.

O dia de tempestade foi precedido de uma semana de chuvas muito fortes, incluindo outros estados da região. Deslizamentos de terra e inundações deslocaram pelo menos 25 mil pessoas e mataram 133.

Analisando esse cenário, o WWA concluiu que as mudanças climáticas aumentaram o volume das chuvas e que as vulnerabilidades sociais pré-existentes tornaram esse evento ainda mais grave.

Por outro lado, quando estudaram a seca que levou à falta de água no Sudeste, de 2014 a 2015, o grupo concluiu que a mudança climática não teve uma grande influência. Os cientistas apontaram que os impactos sentidos foram tão grandes devido ao crescimento populacional e ao aumento no consumo de água na região.

Mariam Zachariah, pesquisadora que faz parte da equipe de Otto no Imperial College London, diz que normalmente cada estudo dura de alguns dias até quatro semanas.

A cada trabalho, se unem à equipe cientistas que são nativos dos lugares que foram afetados por aquele desastre climático. “Precisamos de dados de estações [meteorológicas] locais e pessoas com uma perspectiva local para realmente entender o que estamos fazendo”, explica ela.

O critério central para decidir quais eventos serão analisados é o tamanho do impacto na população. “No grupo principal, há pessoas tanto do lado da ciência quanto do lado da vulnerabilidade e exposição, que estão mais envolvidas na compreensão sobre os impactos reais associados aos eventos extremos”, conta.

Zachariah afirma que essa abordagem tem o objetivo de ajudar a planejar políticas públicas. “Nós fazemos a análise das mudanças climáticas [em um evento extremo] e aí ficamos sabendo que aquilo pode se repetir. Portanto, a ideia principal tem ser que, no futuro, devemos estar preparados para combater esses efeitos o máximo possível.”

Além dos estudos de atribuição feitos caso a caso, também é possível determinar a influência das mudanças climáticas em eventos extremos partindo dos dados do painel do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês).

O relatório mais recente aponta que a crise climática já agrava secas, tempestades e temperaturas extremas de formas diferentes ao redor do mundo. No Brasil, todo o país já sofre com ondas de calor, enquanto as regiões Sul e Sudeste, especialmente, têm mais chuvas fortes, e o Nordeste, um número maior de secas.

Em cenários futuros de maior aquecimento, indo de 1,5°C até 4°C, essas mudanças devem se acentuar e se espalhar.

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