O advogado Márcio Fernandes desponta como um dos favoritos na eleição, que ocorre nesta segunda-feira, 19, para a escolha dos seis indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele anexou na inscrição para provar seu “notório saber jurídico” contratos firmados para serviços como assessoria de imprensa, eventos sociais e com a Souza Cruz, gigante do tabaco da qual foi diretor jurídico. Nos documentos, detalhou o cardápio de um dos eventos: caipirinhas “nativas” com cupuaçu, graviola, jabuticaba, tamarindo, maracujá e outras frutas, nas opções com vodca, saquê, e cachaça.
Dos 34 inscritos na disputa da OAB, apenas dois candidatos tiveram o currículo impugnado formalmente antes do processo de votação. Fernandes foi um deles. Os documentos que ele anexou na inscrição provocaram estranhamento em conselheiros federais que vão votar a lista sêxtupla e até mesmo em ministros do STJ que acompanham o processo. Ainda assim, o nome dele segue, nos bastidores, como um dos favoritos.
O Estadão obteve acesso à íntegra da documentação apresentada pelo advogado à OAB. Há centenas de páginas em que ele assina como procurador em atas de movimentações societárias da Souza Cruz. Em outros documentos, que dizem respeito a movimentações internas da empresa, por exemplo, assina como procurador da Molensteegh Invest, sediada na Holanda – a empresa é controladora da British American Tobacco (BAT) no Brasil, segundo ele explica ao Estadão. A BAT é controladora da Souza Cruz.
Ele listou resumos semanais que encaminhava internamente na empresa sobre mudanças de lei, decisões judiciais e medidas de governos latinos que pudessem ter algum impacto nos negócios da empresa. Também mencionava medidas adotadas para combater estas ações ou acompanhá-las.
Fernandes também mostrou uma série de contratos com empresas de consultoria e assessorias de comunicação e eventos com terceirizadas. Um dos contratos, com uma empresa de “projetos culturais”, no valor de R$ 49 mil, é seguido de um longo orçamento para um coquetel para 100 pessoas em um quiosque no bairro da Gávea, Rio de Janeiro, com vista para o Corcovado.
Ele chegou a detalhar o cardápio do evento nos documentos enviados para a OAB, citando as caipirinhas “nativas”.
Entre os pratos da noite, estavam “Pai D’égua”, que é feito de queijo coalho flambado na cachaça, e outros quitutes como shitake com alho poró e mousse de fígado com chutney de cupuaçu. A sobremesa oferecia fondue de chocolate , doce de cupuaçu com queijo coalho e mix de frutas.
Além da graduação em Direito, Márcio Fernandes exibe oito artigos em uma revista especializada da área, que não é ligada a universidades. O advogado deixou a Souza Cruz no fim de 2022, quando abriu seu escritório em Brasília para atuar em causas empresariais. Desde o período, investiu pesado na candidatura ao STJ, viajou o país e, assim como os candidatos mais robustos à vaga, contratou assessoria de comunicação.
Ao Estadão, conselheiros da OAB e ministros do STJ afirmam, sob condição de reserva, que o currículo de Fernandes desagrada pela falta de mais especializações acadêmicas e pela série de documentos anexados que nada têm a ver com provas de notório saber jurídico. Entre esses documentos, estão o coquetel e os contratos e atas de assembleia.
Fernandes teve seu currículo e sua candidatura questionados pelo advogado Roberto Aguiar Farias, pouco conhecido dos conselheiros federais e dono de um pequeno escritório sediado em Cruzeiro, cidade do Distrito Federal, e conhecido por militar na OAB de Taguatinga, também no DF. Ele afirma que os comprovantes de coquetel, por exemplo, são “imprestáveis para fins de comprovação de atos privativos de advocacia”, assim como os comprovantes de atas de reuniões de sócios quotistas do tabaco.
Farias ainda questionou a candidatura do advogado Luis Claudio Chaves, que foi conselheiro federal da OAB e que aparece com menos força do que Fernandes na concorrência pelas seis vagas. Chaves tem o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD).
Os candidatos devem se defender perante o Conselho Federal da OAB sobre suas impugnações. O colegiado não tem dado procedência fácil a estes pedidos. Dificilmente, um candidato é barrado em razão desse tipo de processo.
Ministros do STJ afirmam ao Estadão que, se a lista sêxtupla não vier a contento, poderá ser devolvida à OAB, após submetida à Corte. É papel do Tribunal eleger os três mais votados entre os seis escolhidos pela OAB, e encaminhar a lista à Presidência da República. Caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolher um dos nomes e submetê-lo ao escrutínio do Senado. Os nomes são votados na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário da Casa.
Ilações
Marcio Fernandes afirmou que o “pedido de impugnação é uma tentativa espúria de corromper o processo democrático de escolha de representantes para o Poder Judiciário, previsto na Constituição Federal”. “Essa terrível prática, infelizmente, se tornou bastante comum antes da formação de listas para indicação aos tribunais brasileiros. Não há, nas supostas denúncias, fatos compatíveis com a verdade”. “São somente ilações propagadas com interesses escusos e que tentam atacar a reputação de um profissional respeitado no Brasil e no exterior, que construiu sua carreira com base em princípios morais e éticos”, diz.
O advogado argumenta que é formado pela Universidade do Estado do Rio e que “possui 35 anos de atuação na área do direito, tendo ocupado relevantes cargos de âmbito jurídico nos setores de Defesa Aeroespacial, Químico, da Construção civil e do Tabaco”. E, que foi “diretor jurídico da British American Tobacco por 27 anos, sendo parte desse período trabalhando na sede da empresa em Londres”.
Ele diz ainda que “possui uma atuação efetiva e destacada na Ordem dos Advogados do Brasil, construída ao longo de anos, tendo sido Presidente da Comissão de Combate ao Mercado Ilegal e conselheiro federal da OAB, representando a seccional do Rio de Janeiro”. “Toda essa trajetória, sem fatos que desabonem sua reputação pessoal e profissional, legitima plenamente o advogado Márcio Fernandes a participar do processo seletivo para formação da lista sêxtupla do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil”, conclui.
Procurado, Luis Claudio Chaves afirma que o advogado Roberto Aguiar Farias ignorou artigos do estatuto da advocacia. Ele argumenta que milita na OAB há 21 anos e tem 9 anos na Defensoria Pública, além de ter sido procurador municipal e Diretor Jurídico da Presidência do Senado. “As certidões comprovam mais de 10 anos de advocacia pública. Além disso, foram comprovados vários anos de advocacia privada”, diz.
Estadão Conteúdo