terça-feira, setembro 23, 2025

“É horrível, eu me sinto impotente”, diz paciente com fibromialgia após ter nome exposto em lista da Prefeitura

A sensação de impotência define o sentimento de uma paciente com fibromialgia que teve seu nome exposto de forma indevida pela Prefeitura de Feira de Santana em uma lista publicada no Diário Oficial do Município no último sábado (20). A divulgação incluiu mais de 600 pessoas que convivem com HIV, além de pacientes com fibromialgia e doença falciforme, e tem gerado repercussão nacional pela gravidade da violação de dados.

A portaria tratava da suspensão do benefício do Passe Livre no transporte coletivo, mas acabou expondo informações de caráter sigiloso causando dor, constrangimento e indignação entre os prejudicados. Uma das pacientes com fibromialgia que teve o nome divulgado relatou ao Acorda Cidade o impacto emocional que sofreu desde a publicação. Ela preferiu não se identificar.

“Quando eu descobri que meu nome estava na lista, eu fiquei indignada, porque você já tem uma saúde fragilizada. Não temos uma assistência nem 80% garantida. Corremos atrás de saúde e é complicado.”

Além do constrangimento com a exposição, a paciente teme perder o benefício, fundamental para os deslocamentos às consultas com nutricionista, fisioterapeuta e outros profissionais. Usuária do Passe Livre desde março, ela conta que o erro da Prefeitura agravou ainda mais as dificuldades enfrentadas por causa da doença.

“Até para me deslocar aqui para o posto, para mim ir, fica complicado porque estou perdendo o movimento do lado esquerdo do corpo. A exposição é constrangedora para todas as esferas que foram prejudicadas. Eu me sinto impotente. É inadmissível. Minha saúde já é frágil. Não consigo dormir, é à base de remédio, dores e mais dores. E aí agora vem essa… eu não dormi sexta, sábado. Desde a madrugada que eu vi, fiquei até mais tarde nas redes sociais observando, porque eu não consegui dormir. Aí você dá de cara com uma notícia dessa. É terrível. Eu não tenho palavras para descrever uma situação dessa de impunidade. É revoltante. Tem que ter justiça para isso”, completou a paciente ao Acorda Cidade.

A paciente disse ainda que já acionou um advogado e está aguardando um posicionamento para saber como lidar com a situação.

OAB aponta violação de direitos humanos

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Subseção Feira de Santana, Mariana Rodrigues, classificou a conduta da Prefeitura como grave e repudiou a exposição de informações.

"É horrível isso, eu me sinto impotente", diz paciente com fibromialgia após ter nome exposto em lista da Prefeitura
Advogada Mariana Rodrigues | Foto: Divulgação

“Foi uma informação que recebemos com muito pesar, com muita indignação. A nossa comissão, em conjunto com a Comissão de Diversidade Sexual, inclusive representando a OAB Subseção Feira de Santana, emitiu uma nota repudiando a conduta, pois nós sabemos que, quando se trata de um ato administrativo, antes dele ser publicado, passou por muitas mãos. Infelizmente não houve um cidadão humano que olhasse para essa publicação e falasse: não é de bom tom publicar nomes de pessoas portadoras de doenças graves.”

A advogada ressaltou a importância da proteção do sigilo sorológico, que se refere à confidencialidade do diagnóstico de doenças como o HIV. Ela destacou a posição do Supremo Tribunal Federal (STF), que entende que a divulgação de informações sobre o estado sorológico do paciente é proibida sem o consentimento dele.

O sigilo sorológico é um direito fundamental para a proteção da dignidade e da privacidade de pessoas que vivem com HIV, garantindo que não sejam discriminadas ou expostas indevidamente.

“Importante frisar a quantidade de nomes (600) que foram prejudicados nesse ato administrativo de forma irreparável, sofreram um dano. Não é precipitado dizer que foi uma conduta prejudicial, que estigmatiza as pessoas listadas nessa publicação. É uma conduta, inclusive, que nos faz questionar a postura do município com relação à suspensão do direito ao Passe Livre.”

Segundo Mariana Rodrigues, a violação dos dados pode gerar responsabilização criminal e cível. “Pode haver uma responsabilização na esfera criminal, pela quebra do sigilo de uma informação que apenas poderia ter sido obtida em razão da função profissional, em especial o secretário de Mobilidade Urbana que assinou essa publicação. E, para além disso, a possibilidade também de uma responsabilização cível, um ressarcimento indenizatório em razão dessa conduta, dessa violação de direitos humanos e desse ato ilícito que foi perpetrado no sábado passado, dia 20.”

Nesta segunda (22), o secretário de Mobilidade Urbana, Sérgio Carneiro, pediu desculpas e declarou que a divulgação não ocorreu “de má-fé”. Segundo ele, a intenção era evitar que beneficiários do Passe Livre fossem surpreendidos no momento do embarque, já que a portaria publicada tratava da suspensão do serviço.

Para a presidente da Comissão, o ocorrido deixou marcas profundas na vida das vítimas e na imagem da cidade. Ela deixou um recado para as mais de 600 pessoas listadas.

“Eu desejo minha solidariedade, diante desse absurdo que aconteceu na nossa cidade, infelizmente um caso que está tendo repercussão a nível nacional já. Vergonhoso para nosso município estar sendo veiculado uma notícia como essa, mas precisamos nos posicionar de forma firme diante dessa violação de direitos humanos.”

Ainda nesta segunda (22), a Prefeitura de Feira abriu uma sindicância interna para apurar o erro e responsabilizar os envolvidos pela violação. O resultado deve ser publicado em até 15 dias.

Acorda Cidade – Foto: ACM

recentes