O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quarta-feira a anulação de todas as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht, homologado em 2017, que atingiu dezenas de políticos de vários partidos.
Nos últimos anos, os ministros Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, e Toffoli, que herdou o caso, já haviam anulado as provas em diversos processos, incluindo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essas decisões, contudo, eram tomadas caso a caso. Agora, a determinação vale para todas as ações.
“O reconhecimento da referida imprestabilidade deve ser estendido a todos os feitos que tenham se utilizado de tais elementos, seja na esfera criminal, seja na esfera eleitoral, seja em processos envolvendo ato de improbidade administrativa, seja, ainda, na esfera cível”, escreveu Toffoli.
Isso não significa que todos os casos que envolvam as provas da Odebrecht estão automaticamente arquivados. Caberá ao juiz de cada processo fazer a análise sobre se há outras provas e se elas foram “contaminadas”.
Em sua decisão, Toffoli também critica a prisão de Lula, ocorrida em 2018 no âmbito da Operação Lava-Jato. Para o ministro, ela poderia ser chamada de “um dos maiores erros judiciários da história do país”, mas “foi muito pior”.
“Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais”, escreveu.
Em seguida, o ministro afirma que esse episódio foi o “verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF”.
Investigação de envolvidos
O ministro do STF ainda determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e outros órgãos devem identificar os “eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram os atos relacionados” ao acordo de leniência e “adotem as medidas necessárias para apurar responsabilidades, não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal”.
A medida vale também para o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), entre outros.
Para o ministro, os envolvidos no acordo “desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (…) e fora de sua esfera de competência”.
Um dos argumentos utilizados por Toffoli para justificar a decisão é a quebra da cadeia de custódia de provas obtidas pelos investigadores. Ele cita que no caso de “transmissão ou o recebimento de dados e informações de outros países” é preciso formalizar os acordos de cooperação por meio do governo brasileiro. Segundo resposta do departamento responsável por essas tratativas no Ministério da Justiça, incluída pelo ministro na decisão, isso não ocorreu quando a Lava Jato obteve dados dos sistemas da Odebrechet que continham a contabilidade e os registros dos pagamentos de propinas.
“Diante desse cenário, é preciso reconhecer que as causas que levaram à declaração de imprestabilidade dos referidos elementos de prova são objetivas”, conclui o ministro ao anular as provas Drousys e My Web Day B.
Força-tarefa da AGU
Para a Advocacia-Geral da União (AGU), Toffoli determinou a apuração dos “danos causados pela União e por seus agentes” aos investigados. Após a decisão, o órgão anunciou a criação de uma força-tarefa para investigar as condutas do ex-juiz Sergio Moro e de membros do Ministério Público Federal.
Toffoli também determinou que a 13ª Vara Federal de Curitiba — responsável pela Lava-Jato na primeira instância — e o Ministério Público Federal apresentem, em 10 dias, o “conteúdo integral de todos os documentos, anexos, apensos e expedientes” relacionados ao acordo de leniência, incluindo “documentos recebidos do exterior, por vias oficiais ou não, bem como documentos, vídeos e áudios relacionados às tratativas”.
Mensagens apreendidas
A decisão ainda trata das mensagens apreendidas na Operação Spoofing, que investigou a invasão de celulares de membros da força-tarefa da Lava-Jato. O STF já vinha concedendo acesso às mensagens a diversos investigados, também de maneira específica. Agora, Toffoli considerou que “todos os investigados e réus processados com base em elementos de prova contaminados, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição” podem ter acesso à íntegra.
Além disso, a Polícia Federal (PF) deve enviar em até 10 dias o “conteúdo integral das mensagens”, incluindo “todos anexos e apensos, sem qualquer espécie de cortes ou filtragem”. O ministro ressaltou que, caso essa determinação não seja cumprida, pode ocorrer o crime de desobediência.
Início do caso
A decisão foi tomada em uma ação apresentada pela defesa de Lula, ainda em 2020, para questionar as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht. No decorrer da tramitação, o processo também passou a tratar das mensagens obtidas na Operação Spoofing.
O primeiro relator, Ricardo Lewandowski, suspendeu e depois trancou ações penais de Lula. A partir daí, diversos outros investigados passaram a pedir extensão da decisão.
Também foram beneficiados o vice-presidente Geraldo Alckmin, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, os ex-ministros Edison Lobão e Paulo Bernado, o empresário Paulo Skaf, o operador Rodrigo Tacla Duran e o ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, entre outros.
Com a aposentadoria de Lewandowski, em abril, Toffoli herdou o caso. Nos últimos meses, ele concedeu extensão a pessoas como o ex-governador Sérgio Cabral, ao ex-ministro Gilberto Kassab e ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, entre outros.
Distanciamento
Indicado por Lula ao STF, após ter trabalhado em seu governo e para o PT, Toffoli distanciou-se do presidente nos últimos anos. Lula demonstra mágoa por ele não ter autorizado sua ida ao velório do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, quando ele estava preso, em 2019.
Nos últimos meses, no entanto, Toffoli tem atuado para diminuir essa resistência. Um dos movimentos feitos por ele foi sua mudança da Primeira para a Segunda Turma do STF. Isso facilitou a entrada de Cristiano Zanin, ex-advogado do Lula, na Corte. Isso porque a Segunda Turma analisa as ações da Lava-Jato. Se fosse para esse colegiado, Zanin poderia ter que se declarar impedido nos julgamentos.
Atualmente, o ministro tem trabalhado pela a indicação do desembargador Carlos Von Adamek ao Superior Tribunal de Justiça. O nome dele consta em lista quádrupla enviada a Lula, que escolherá dois nomes.
Fonte: Globo — Foto: Carlos Moura/STF