(FOLHAPRESS) – Após meses de sucessivos recordes de temperatura em todo o mundo, uma nova onda de calor vem castigando os brasileiros. Situações como a registrada no Rio de Janeiro nesta terça-feira (14), onde a sensação térmica bateu 58,5°C na zona oeste da cidade, devem ser cada vez mais frequentes no futuro.
Os cenários traçados pelos cientistas para o país num planeta que está esquentando -devido às emissões de gases de efeito estufa vindas das atividades humanas- são de períodos mais longos de tempo mais quente e seco, além de temperaturas mais altas.
“O Brasil, como uma região tropical e um país muito vulnerável às mudanças climáticas, vai sofrer mais com o aumento da temperatura”, aponta Paulo Artaxo, físico da USP e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU.
“As previsões do IPCC colocam que a temperatura do Brasil, de acordo com o cenário das emissões, pode ter um aumento, em média, da ordem de 4°C”, diz o pesquisador.
Artaxo destaca a previsão do painel de cientistas da ONU para um aumento da temperatura de 3°C, que é o projetado caso não haja um corte drástico nas emissões. “Um evento climático que ocorria uma vez a cada 50 anos vai ocorrer 39 vezes a cada 50 anos e vai ser 5 vezes mais intenso”, afirma.
Ele pontua, ainda, que essa previsão é especialmente preocupante para países tropicais, que já têm temperaturas mais elevadas do que o restante do globo.
“Isso vai impactar a saúde da população e o funcionamento dos ecossistemas [no Brasil] muito mais do que países como a Suécia ou a Noruega”, explica. “Imagina o impacto de um aumento de 3°C a 4°C em uma região, por exemplo, como Teresina, Cuiabá ou Palmas?”
Falando sobre o calor intenso que atinge o país neste ano, o físico afirma que é possível apontar dois fatores como os principais responsáveis: o aquecimento global, que aumenta a frequência de eventos climáticos extremos, e o El Niño -que, por sua vez, é agravado e se torna mais frequente com o aumento da temperatura da superfície do mar causado pelas mudanças climáticas.
O El Niño é causado pelo aquecimento do oceano Pacífico tropical (na região da linha do Equador) e eleva temperaturas, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, no país. Ainda que os meteorologistas saibam que o fenômeno é um dos culpados pela atual onda de calor, é importante lembrar que para algumas partes do Brasil, como o Sudeste e o Centro-Oeste, o comportamento do El Niño nem sempre se traduz em calor.
“O que nós estamos vendo é o futuro do clima no país, e o país, obviamente, tem que se preparar melhor para enfrentar essas ondas de calor”, adverte Artaxo.
Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), essa é a oitava vez que uma onda de calor atinge o país só neste ano.
Um estudo sobre os calorões de agosto e setembro, que fizeram a temperatura chegar a 41,8°C em Cuiabá e a 43,5°C em São Romão (MG), mostrou que as mudanças climáticas aumentaram em até cem vezes a chance de um calor extremo como esse ocorrer. O El Niño, avaliaram, teve uma contribuição pequena naquele período.
Sem o aquecimento global causado por humanos -associado, essencialmente, à queima de combustíveis fósseis, mas também a ações como o desmatamento– o calorão no final do inverno e no começo da primavera no Brasil teria sido de 1,4°C a até 4,3°C menor, segundo o trabalho.
A análise foi feita pelo WWA (World Weather Attribution), que estuda as causas de eventos climáticos, e teve participação de Lincoln Alves, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Ele explica que não é totalmente possível aplicar os resultados encontrados no estudo para o fenômeno atual, já que ele foi feito com base nas condições encontradas naquele momento anterior.
“[Mas,] em geral, o que tem se observado nas diversas regiões do mundo e no Brasil é que as ondas de calor estão bastante relacionadas à mudança do clima e ao aquecimento global”, acrescenta.
Ele frisa que há um aumento do número e da intensidade dos períodos de calor nas últimas décadas e que isso é um forte sinal da crise climática. Um levantamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgado nesta segunda-feira (13) mostrou que, em 30 anos, as ondas de calor no Brasil aumentaram de 7 para 52 dias ao ano.
Além de impactos ambientais e socioeconômicos, o calor extremo tem impacto direto na saúde das pessoas, podendo levar a problemas cardiovasculares, respiratórios e renais.
‘NOVO NORMAL’ DO CLIMA?
Diferentes centros de pesquisa apontam que é praticamente certo que 2023 será o ano mais quente em 125 mil anos, seguindo vários outros recordes do índice nas últimas duas décadas.
Assim, muitos se perguntam se esse cenário é o “novo normal” climático.
“Não podemos chamar um clima como esse que a gente tem agora de ‘normal’. Isso é uma situação totalmente anômala, com aquecimento muito pronunciado e que tem impacto socioeconômico muito grande. Mas o que nós estamos vendo atualmente, em 2023, é uma amostra grátis do que pode acontecer ao longo das próximas décadas”, opina Artaxo.
“Os modelos climáticos sempre previram um aumento da temperatura global, só que nós estamos observando que a realidade da mudança climática está sendo ainda mais forte do que os modelos previam.”
Alves também aponta que, comparado a décadas anteriores, o clima não é mais o mesmo. “As condições climáticas, as temperaturas médias, o volume de chuva, a intensidade das chuvas, tudo isso mudou. As estações têm se tornado cada vez mais quentes”, afirma o pesquisador do Inpe.
A percepção de que 2023 pode ser o mais frio dos anos futuros, caso não haja um corte substancial na quantidade de carbono jogada na atmosfera, é compartilhada por cientistas ao redor do mundo.
“A menos que fechemos a torneira das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, 2023 parecerá frio quando estivermos em 2033 ou 2043”, afirmou Samantha Burgess, vice-diretora do Serviço de Mudança Climática do observatório europeu Copernicus, quando julho de 2023 foi anunciado como o mês mais quente já registrado na história.
“Precisamos ter uma ação climática ambiciosa para cortar emissões, estabilizar nosso clima e garantir que ele permaneça habitável não apenas para as pessoas, mas para todos os ecossistemas ao redor do mundo dos quais dependemos”, acrescentou.